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Mais do que música. RAP é cultura

A cultura que precisa de espaço. O rap contagia muitas pessoas no mundo, mas ainda não conquistou seu lugar em definitivo. Ainda há bastante preconceito relacionado a esse estilo musical e isso atrapalha uma ampla difusão dessa ideologia. Para grande parte das pessoas, o RAP sempre esteve relacionado ao crime, às drogas e a tudo que é repudiado pela sociedade. Para um MC alcançar um lugar de expressão, é necessário ultrapassar muitos obstáculos e preconceitos, sempre pregando a mensagem positiva e fazendo valer o objetivo do rap: expôr os problemas sociais e o sofrimento da população periférica.

A "cena", como é denominado o ambiente do rap, tem proporcionado essa visibilidade aos novos cantores, rimadores e compositores. É o caminho que esses "formadores de opinião" têm para se expressar e falar para o mundo aquilo que está engasgado ou escondido. A música é isso: uma manifestação cultural que precisa atingir um determinado público ou a todos. No caso desse estilo, vai além de uma propagação para alcançar fama e dinheiro, como acontece no cotidiano. O rap tem ideologia desde o seu início.

Este movimento cultural começou na Jamaica já nos anos 60, com o estilo Hip-Hop. A população mais jovem cantava músicas diferentes da que era comum naquela época, e organizavam festas para reunir os amigos da comunidade. Uma grave crise socioeconômica abalou o país e fez com que muitos jovens jamaicanos migrassem para os Estados Unidos. Na nova terra, os imigrantes encontraram moradia na periferia e ali prosseguiram com a divulgação do estilo. A letras falavam do crime, da miséria, da desigualdade social, componentes da verdadeira ideologia do que o rap deve pregar.

O objetivo principal do rap é impactar, fazer mudanças, mostrar a realidade que os veículos de comunicação não têm coragem de revelar. A mídia aproveita aquilo que convém à ela e exibe apenas o conteúdo que não poderá influenciar negativamente o relacionamento do veículo com a sociedade ou com o governo, que costuma investir muito dinheiro em propaganda nos veículos de comunicação. E é aí que os Mc's podem ter um papel importante para a sociedade, pois eles são pessoas capazes de difundir uma ideia, expressar uma opinião ou trazer uma nova reflexão. Cada refrão e estrofe deve ser sentida.

Esse tipo de reflexão é que está em falta nos Mc's mais conhecidos. Criou-se a visão de que para ser famoso, a letra precisa agradar a mídia e fugir da essência do rap. Não deveria ser apenas por fama ou visando o dinheiro, mas a importância de mudar a vida de algum garoto que está na rua, que passa dificuldade. Por isso é mais uma nova barreira construída, inclusive bastante complicada. É preciso retornar à origem, levar o rap verdadeiro ao mundo. A essência do rap é o sentimento, a inconformidade com a sociedade atual, que têm diversos problemas que precisam ser expostos e debatidos.

Essa fuga de ideologia está influenciando a nova geração, que aos poucos vai perdendo os valores pregados pelo rap. Claro que o reconhecimento, a fama e o dinheiro são bem-vindos, no entanto, as carreiras estão tomando rumos diferentes e mostrando a fragilidade dos Mc’s em combater a censura e se rendendo a força midiática. Mas na cena ainda existem pessoas que sabem do verdadeiro ideal do rap e o que a música deve carregar para causar alguma mudança ou reflexão na sociedade.

É o caso de Marcelo Silvestre, de 21 anos. De acordo com ele, “hoje quem faz rap não vive o rap”. Ele conta que no meio do rap existe uma grande indignação com o que está acontecendo com a nova geração de Mc's e se mostra bastante chateado com essa realidade. Diferente de alguns Mc's da nova geração, Tchelo, como é conhecido, não perde a real ideologia. “Minha fascinação pela cultura é muito forte, eu amo o rap, meu sonho é não só viver o rap, mas viver do rap”. Componente do grupo MenteNativa, ele entende que é “uma vida injusta” a de quem leva essa arte, pois é necessário um segundo plano para o futuro, já que poucos conseguem se sustentar apenas do rap. Para ele, o estilo tem um grande potencial para crescer ainda mais. "O rap só depende do rap".

Marcelo (Tchelo) no evento "O futuro é a rua", em Duque de Caxias (Foto: Arquivo pessoal)

Provando que entende e prega a essências do rap, Tchelo faz questão de descrever o que é rap para ele. "Rap vem de ritmo e poesia, e foi isso que eu sempre busquei com a música. Quero passar uma mensagem, deixar algo pro ouvinte refletir". Até mesmo a forma como Marcelo entrou para a cena tem a ver com a ideologia do rap. "A paixão pelo hip hop foi instintiva, quando eu vi já estava no meio. Causas sociais e lutas por justiça e igualdade sempre me motivaram, minha identificação foi de primeira. Rap é batalhar pra realizar teu sonho, rap é metrô lotado de manhã, rap é sair de baixo e chegar no topo, rap é a tia que passa roupa na casa de um e faz comida na casa de outro e ainda cuida de sua casa quando chega, rap é compromisso". E é com esse pensamento que Tchelo segue há sete anos no meio do rap e formou com seu irmão, há dois anos, o grupo MenteNativa.

"Que mundo é esse" traz uma reflexão sobre os acontecimentos da sociedade, citando criminalidade e politica

Um dos companheiros de Marcelo no grupo é o irmão, Rafael Silvestre, de 19 anos. Seguindo o mesmo pensamento do mais velho, Gudi, como é conhecido, também entende a essência do rap. "O meu amor pelo rap vem por todos que deram seu sangue pelo movimento, vem das letras que tiraram os menores do crime, letras que deram esperança ao pai de familia que ganha um salário minimo. O poder do rap não ta só na mente de quem escreve, tá na mente de quem escuta". Ele entende que esse estilo pode influenciar positivamente a sociedade. "A gente tem força pra conscientizar o povo. O governo e a tv nos querem burros. Querem que nos sejamos pregos. Mas no que depender de mim, seremos martelo. Somos uma geração de gente que quer fazer diferente e eu tenho muita mensagem boa pra passar".

Rafael (Gudi) projeta o lançamento de um CD do MenteNativa já em 2018 (Foto: Arquivo Pessoal)

O RAP nacional

Assim como na Jamaica e nos Estados Unidos, o rap surgiu e se popularizou na periferia brasileira, mais especificamente no estado de São Paulo. No fim dos anos 80 alguns grupos de jovens pobres se reuniam na chamada Galeria 24 de maio, atualmente conhecida como Galeria do Rock, e também na estação de metrô São Bento. Nessa época o rap não era aceito pela sociedade, pois era considerado violento e periférico.

Os locais públicos eram o refúgio para a população mais carente se expressar e encontrar pessoas com o mesmo estilo para trocar experiências, compartilhar conhecimento e lutar pelas mesmas causas. Djs, dançarinos, MCs e admiradores se reuniam para fazer festas de rua. O estilo musical era bastante reprimido pela polícia e pela sociedade em geral e estava longe de ser tocado em uma rádio.

A partir dos anos 90 o rap começou a se popularizar e diversos discos foram lançados, além de alguns músicas conquistarem espaço nas rádios. A maior parte dos grupos e cantores que se destacaram na época surgiram na periferia e ganharam voz a partir da música e passaram a representar a classe mais pobre, que sempre sofreu com a desigualdade social. A questão do preconceito social e racial era bastante falada nas letras.

É difícil listar os principais cantores e grupos dos anos 90, pois foi a época em que o rap teve o maior crescimento no cenário nacional. Mas em qualquer lista que for feita, com certeza estarão Racionais MC's, Gabriel Pensador, Planet Hemp, Facção Central e MV Bill. Esses são alguns dos principais grupos e cantores da época, responsáveis pela grande divulgação da cultura do rap em território nacional.

Por mais incrível que possa parecer, todos esses grupos e cantores ainda fazem bastante sucesso nos dias atuais, tanto que eles têm páginas nas redes sociais com números muito expressivos. O campeão da internet é, sem dúvidas, o grupo Racionais MC's, que têm mais de 7 milhões de curtidas no Facebook. Dessa lista, o único grupo que não possui perfil oficial nas redes sociais é o Facção Central.

"A vida é um desafio", lançada em 2002, é a música mais tocada do Racionais no YouTube (87.741.019 visualizações no vídeo mais acessado)

Atualmente, o rap que está em destaque na mídia foge da ideologia para o qual o estilo foi criado. As letras não falam somente de questões sociais e também não são cantadas apenas por pessoas que surgiram na periferia. É comum ouvir canções que exaltam dinheiro, poder e fama. Uma coisa difícil de imaginar que aconteceria. Assim como tudo no mundo se modifica, com a música não é diferente. O rap passa por transformações diárias e é mesclado com outros estilos, recebendo interferências de músicas nacionais e internacionais, tanto nas letras, quanto no ritmo.

A importância das Rodas Culturais

A roda cultural é o pontapé inicial. É um espaço que conta com muitos sonhadores que disputam batalhas, rimam e “zoam” com os amigos. É nessa interação entre eles que mostra a oportunidade que o rap está oferecendo a cada um. Esse tipo de evento é bastante desvalorizado pela sociedade, que associa o maio às drogas e crime. Porém, essa é na verdade a "porta de entrada" para o rapper que quer ter a voz ouvida. É uma das poucas formas que o MC encontra para se expressar, devido à falta de chance nas casas de show, nas boates ou nas festas de grande porte, pois não convidam esses artistas para demonstrarem sua capacidade.

Como eles dizem “é o berço da sabedoria”. A batalha de sangue (quando dois componentes se enfrentam, rimando com um tema escolhido pela banca) é o que mexe com o público e antes de começar já soltam a característica palavra de qualquer embate “ SANGUE! SANGUE! ”. Assim, ao assistir essa "Batalha de MC's" (como é chamado a disputa entre eles), percebe-se a inteligência dos participantes, a experiência de vida passada em uma rima e apresentação da reflexão da sociedade para os problemas que são escondidos. Algumas rodas são conhecidas por revelar grandes nomes.

A roda cultural "50 cents - A batalha", de Campo Grande, é uma das principais do Rio de Janeiro (Foto: Luan Pereira)

A realidade que esses jovens precisam enfrentar é bem complicada. O estilo de rima de cada um é bem diferenciado. Cada MC vai criando o próprio estilo. Alguns utilizam da letra para atingir o governo, revoluções, pai, mãe; outros buscam por uma letra mais romântica, como o “Love Song”; também existem letras sobre marginalidade, crimes, drogas. O que não se deve esquecer, é que o rap é bastante abrangente e diversificado e deve ser conhecido para depois ser julgado. Somente assim é possível se afastar do preconceito.

Para essa discriminação ser deixada de lado, é essencial pregar o estilo e mudar a visão da sociedade. Por isso a tarefa das pessoas que estão envolvidas nesse meio é seguir acreditando no potencial do rap como forma de mudança social, como ressalta Augusto Meyrelles, 26 anos, atualmente empresário, porém já foi Mc e organizador de eventos. Guto Mc, como era conhecido, acredita que “o rap é uma filosofia” e que “as rodas culturais são o trampolim para uma pessoa que sonha em ser rapper”. Além disso, destaca a importância dessas “reuniões”: “Quando você participa de uma roda cultural, você está testando seu conhecimento. É um termômetro, algo necessário para qualquer rapper testar a si mesmo."

No meio do rap, eles dizem que é necessário subir degrau por degrau até chegar ao topo, com humildade e respeito. O objetivo é fazer com que o ritmo atinja tanto rapaz da periferia quanto o “playboyzinho da Zona Sul” e que também chegue aos ouvidos de pessoas de diversas faixas etárias. Em geral, as letras são pesadas e que descrevem a dificuldade do morador de rua, do morador da comunidade, da criança que chega ao mundo sem mãe ou pai, até mesmo que perde o familiar com o tempo por culpa da violência. O objetivo é buscar a sensibilidade na sociedade para se ouvir quem não tem voz; levar uma nova cultura que, pode sim, ter um espaço no mundo. Alguns já conquistaram esse espaço, mas ainda falta bastante para o valor que eles querem.

O RAP precisa de espaço

Não é novidade que existe, assim como em qualquer outro estilo musical, pessoas com o sonho de viver do rap. É uma batalha a cada manhã, tarde e noite para conquistar o respeito, porém é uma etapa de cada vez para integrar-se ao cenário. Com isso, os Mc’s estão numa luta diária para serem reconhecidos, seja em festas pequenas, rodas culturais ou nas confraternização em praças. Eles querem apenas um lugar para serem ouvidos.

Alguns formam grupos entre amigos, organizam rodas para entrosar a “galera” do bairro, que é de suma importância, pois eles sabem da dificuldade de popularizar o rap. A união é a palavra-chave para disseminar essas ideias. Cada um está lutando pelo seu “arroz e feijão”, porém é lucrativo para todos não existir falta de humildade. É um movimento que precisa da força de quem gosta, frequenta e defende para atingir voos maiores, não se espera a formação de “panelinhas” para derrubar um companheiro de trabalho, por mais que aconteça.

A consolidação do estilo é o começo. “O rap é cultura! ” Assim ele está invadindo as emissoras, rádios e programas de auditório. Cantores famosos como Marcelo D2 e Emicida chegaram ao ápice e sustentam a carreira. É um caminho longo e trabalhoso, porém conta com altos e baixos, como qualquer segmento. Com os pés no chão, um rapper tem capacidade de atingir níveis mundiais em diferentes plataformas. Por acreditar no potencial dessa cultura, Ruan Alves, 23 anos, destaca que “o rap pode alcançar tudo, não tem limites, depende do que você entende de tudo”. Por ser técnico em TI, carrega o apelido de "Raiteck".Para ele, daqui a alguns anos o rap será mais forte no Brasil. Para ele, daqui a alguns anos o rap será mais forte no Brasil.

Assim como Ruan, muitos os outros jovens também sonham em viver do rap, seja cantando, compondo, rimando. Um desses jovens é Matheus Batalha, 18 anos, conhecido pelo vulgo "Batalha". Ele sabe da responsabilidade em levar essa cultura a todos. Mesmo novo e ainda no Ensino Médio, Batalha está ciente do que quer e almeja alcançar o topo, tanto em carreira solo quanto com seu grupo "Lado B". Ele fala sobre a essência do rap. "A poesia está em tudo que fazemos". E seguindo essa linha da poesia ele afirma "O rap não tem limite. Nós sabemos onde vamos chegar."

Este crescimento citado pelos rappers se intensificou principalmente por causa da Internet. A plataforma das redes sociais e do youtube proporcionou a visualização de milhões de vídeos, que antes não tinham a possibilidade de serem vistos, por isso, diferentemente dos outros estilos musicais, um cantor de rap precisa ter cuidado quando lança alguma música solo ou do grupo. É caro e trabalhoso, por esse motivo eles buscam patrocínio ou investimento para ajudar no projeto. O feedback do público é de extrema importância, pois a interação, que é o esperado, com divulgações e compartilhamentos, tornam o trabalho conhecido.

Diante da dificuldade imposta pelo rap, os cantores buscam esse dinheiro para criar um novo projeto, seja cd ou clipe, trabalhando por fora. O famoso "plano B" na vida deles. Por causa disso, Caio Barbosa, 19 anos, relatou da diferença entre "sonhar" e "ter os pés no chão": "É essencial você saber onde está pisando". A humildade de entender que, viver com o rap é complicado, é o primeiro passo que o estudante de direito aconselha para alcançar algum objetivo. Ele também ressaltou outra barreira a ser derrubada: "O rap internacional é aclamado há muito tempo, mas o nacional ainda sofre um certo preconceito. Acho que, para o rap nacional, falta alcançar a difusão"

O estilo que incomoda

Além das letras, o rap carrega como cultura um estilo de se comportar e de se vestir. Adriano Alves, 40 anos, é professor de música e dentro da área musical enxerga o rap como uma forma de quebrar padrões impostos pela sociedade. "Essa cultura ela é primordial pra expor através das músicas, as situações da vida", assim ele qualifica. Entretanto entende que a visão precisa mudar e é um desafio para quem vive disso.

O primeiro deles começa pelo preconceito em torno de tudo que envolve o rap. Desde a música, até a fala, tatuagem e a vestimenta. No mundo, a crítica em cima desse ritmo é exagerada e são pessoas que, às vezes, nem buscaram conhecer a cultura. É diversificada e os cantores não expõem suas reflexões da mesma maneira. É um "leque" enorme de opções ou segmentações. Assim como o funk, que invadiu todas as plataformas e conquistou aos poucos o respeito, o rap também tem sua patente e tem possibilidade de encaixar-se ao ideal para a sociedade. Mas para isso, é necessário entender. Segundo o professor, é a falta de conhecimento que dificulta a difusão do estilo musical: "As pessoas não sabem distinguir um estilo do outro, por isso existe tanta barreira para aceitação", explicou.

Por ser professor, ele estudou de tudo e ainda estuda. Mesmo com uma queda no "pop-rock", é admirador de todos os estilos, pois precisa conhecer os instrumentos e tocar também. Com essa visão, ele justifica essa cultura como mais um elemento importante na sociedade porque "é uma fonte incansável de criatividade." Criar é oportunidade, ou seja, na hora ou no momento certo. Por isso, Adriano declara que o rap ganhou com o avanço da tecnologia e as plataformas estão oferecendo visibilidade para os cantores. Agora as músicas podem ser acessadas através do computador, celular, tablet e dos reprodutores de áudio. A internet também está ajudando bastante na divulgação dos talentos. Então é necessário aproveitar as inovações dentro do contexto.

Para Adiano, o rap ainda está vivendo dentro de "Um contexto até cruel". De acordo com ele ainda há muita falta de sensibilidade na sociedade, que hostiliza e condenam os rappers. De modo geral, ainda é dificil mudar o pensamento coletivo de que o rap está ligado ao lado ruim da sociedade. Tudo isso em virtude do julgamento sem conhecimento do estilo musical, que quer "uma voz" e visa mostrar ao mundo, quem "são eles".

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